Você já encontrou pedacinhos finos de unha perto do arranhador ou espalhados pela casa e se perguntou: Será que as unhas dos gatos caem como as de alguns animais, ou até como os dentes de leite nos filhotes? Essa dúvida é mais comum do que parece — e a resposta está na própria biologia felina.
Ao contrário do que muitos imaginam, as unhas dos gatos não “caem” por completo, mas passam por um processo natural de renovação contínua, conhecido como esfoliação da bainha ungueal. Esse fenômeno fisiológico faz parte do comportamento instintivo do animal e está diretamente ligado à sua saúde física e emocional.
Entender esse processo vai além da curiosidade: ele ajuda tutores a respeitarem os limites naturais do corpo do gato, evitarem procedimentos invasivos e promoverem um ambiente adequado para o desgaste saudável das garras. Neste artigo, vamos explorar o que diz a ciência sobre o ciclo das unhas felinas e por que permitir a renovação natural das garras é fundamental para o bem-estar do seu gato.
Estrutura das Unhas Felinas
Anatomicamente, as garras felinas são compostas por camadas concêntricas de queratina, uma proteína fibrosa também presente em pelos e cabelos. Essas camadas formam uma estrutura curva e afiada, constantemente renovada a partir da base, o que permite que as camadas externas mais antigas se desprendam com o tempo.
Diferente das unhas humanas, que crescem de forma linear e permanecem expostas, as garras dos gatos são retráteis. Isso significa que elas ficam escondidas quando o animal está em repouso e são projetadas para fora quando necessário — durante a caça, a escalada ou para se defender. Esse mecanismo é controlado por tendões e músculos especializados.
Outra diferença importante é a vascularização. A parte interna da unha — chamada de “sabugo” — contém vasos sanguíneos e terminações nervosas, o que confere às garras não só sensibilidade, mas também um papel na propriocepção, ou seja, na percepção que o gato tem do próprio corpo no espaço.
Segundo Feldman & Nelson (2004), as garras dos felinos domésticos crescem continuamente ao longo da vida, exigindo que o próprio animal promova seu desgaste natural. Esse crescimento incessante está diretamente ligado ao comportamento de arranhar superfícies, um hábito muitas vezes incompreendido, mas essencial para a manutenção da saúde ungueal.
O Processo Natural de Esfoliação Ungueal
Ao observar um gato se dedicando intensamente a um arranhador, é comum pensar que ele está apenas “afiando as unhas”. No entanto, o que está ocorrendo é um processo fisiológico essencial: a esfoliação da bainha ungueal.
Essa esfoliação é o nome dado à remoção natural da camada externa da unha, uma estrutura de queratina mais antiga e endurecida, que se desprende à medida que o novo crescimento empurra de dentro para fora. Essa renovação contínua é vital para manter as garras afiadas, saudáveis e funcionais. É por isso que, ocasionalmente, tutores encontram pequenos “fragmentos” de unhas pelo chão — são vestígios desse ciclo biológico.
Os gatos promovem essa esfoliação principalmente ao arranhar superfícies com textura, como troncos, sisal ou carpetes. O movimento de tração exercido pelas patas favorece a liberação da camada antiga, permitindo que a nova garra — mais afiada e limpa — fique exposta. Esse comportamento, portanto, não é um vício ou um problema, mas sim um reflexo direto da anatomia e das necessidades naturais da espécie.
A ciência confirma essa dinâmica: “As garras dos felinos passam por um processo cíclico de renovação por esfoliação das camadas externas, especialmente nas espécies domésticas que utilizam arranhadores” (Buffington et al., 2006). Esse estudo ressalta a importância dos estímulos ambientais adequados para que os gatos consigam realizar esse processo de forma saudável.
Para Que Servem as Garras no Dia a Dia do Gato
As garras dos gatos desempenham um papel crucial no comportamento diário dos felinos, elas são ferramentas multifuncionais, que atendem a várias necessidades biológicas e comportamentais, sendo essenciais para o bem-estar geral do animal.
Funções Naturais das Garras
Locomoção e Escalada: Gatos são animais ágeis e, para manter essa habilidade, as garras são fundamentais. Elas servem como “ancoragens” para escalar superfícies verticais, como árvores ou paredes, e ajudam na estabilização durante a corrida e saltos.
Caça e Sobrevivência: Embora os gatos domésticos não precisem caçar para se alimentar, seus instintos ainda estão bem presentes. As garras são utilizadas para capturar e imobilizar presas, um comportamento que remonta aos seus ancestrais selvagens. Mesmo que o gato não viva em um ambiente selvagem, o impulso para arranhar e usar as garras é algo profundamente enraizado.
Defesa: As garras são a principal defesa dos felinos em situações de perigo. Elas são afiadíssimas e, quando utilizadas corretamente, podem ser decisivas para a sobrevivência em face de uma ameaça. Mesmo os gatos domésticos, que geralmente não enfrentam predadores, mantêm esse instinto de defesa afiado.
Marcação Territorial: As garras também desempenham um papel importante na marcação territorial. Ao arranhar superfícies, os gatos não apenas desgastam suas garras, mas também liberam feromônios presentes nas glândulas localizadas nas patas. Esse comportamento serve para deixar “marcas” que comunicam a presença do gato a outros indivíduos, estabelecendo seu território e ajudando a regular interações sociais com outros gatos.
Relação com o Comportamento Instintivo e Enriquecimento Ambiental
É importante entender que o ato de arranhar e o uso das garras estão diretamente ligados ao comportamento instintivo do gato. Arranhar é uma necessidade natural que não deve ser ignorada. Além de manter as garras afiadas e saudáveis, esse comportamento também serve como uma forma de exercício, ajudando a aliviar o estresse e a ansiedade, enquanto o gato realiza sua marcação territorial.
Impactos Negativos da Limitação das Garras
Quando um gato é impedido de usar suas garras de maneira natural — seja por falta de arranhadores, superfícies inadequadas ou, pior ainda, por procedimentos como a remoção de unhas (oniquectomia) —, vários problemas podem surgir. A remoção das garras, prática já amplamente condenada por especialistas, interfere em sua capacidade de se defender e se locomover e prejudica o equilíbrio e a mobilidade do animal, levando a possíveis problemas de postura, articulações e dores crônicas.
Estudos apontam que a remoção das garras pode levar a dificuldades comportamentais, como aumento da ansiedade, frustração e até agressividade, já que o gato perde uma das suas principais formas de interação com o ambiente e com outros indivíduos.
Declínio e Mitos: Por que Não Se Deve Remover as Garras
A remoção das garras, conhecida como oniquectomia (ou declawing), é um procedimento cirúrgico que consiste na remoção das garras do gato, muitas vezes por razões estéticas ou para evitar danos a móveis. No entanto, essa prática é altamente prejudicial, tanto física quanto psicologicamente para o animal, e é amplamente condenada por veterinários e organizações de bem-estar animal.
Por que a Oníquectomia é Prejudicial?
Do ponto de vista científico, a oniquectomia é muito mais do que a simples remoção de uma unha. Ela envolve a remoção de uma parte significativa da estrutura anatômica das garras, incluindo ossos, tendões e ligamentos, o que resulta em danos irreparáveis. Como Patronek (2001) explica, esse procedimento causa um grande impacto sobre o bem-estar físico e emocional do gato, pois as garras não apenas são usadas para escalar ou caçar, mas também desempenham funções vitais de locomoção e defesa.
A remoção das garras pode gerar uma série de complicações, como dificuldade de locomoção, dor crônica, deformidades nos dedos e problemas posturais. Além disso, o gato perde uma ferramenta essencial para a sua comunicação e interação social. A dor resultante da cirurgia pode causar alterações comportamentais, como agressividade, ansiedade e comportamentos destrutivos, já que o gato tenta encontrar novas formas de expressar suas necessidades naturais.
Posição da American Veterinary Medical Association (AVMA)
A American Veterinary Medical Association (AVMA) condena fortemente a oniquectomia, considerando-a uma prática não ética. Segundo a AVMA, a remoção das garras compromete estruturas anatômicas essenciais ao bem-estar felino e pode resultar em dificuldades de movimentação, problemas de equilíbrio e alterações no comportamento do animal.
Alternativas Seguras e Comportamentais
Felizmente, existem alternativas seguras, comportamentais e eficazes para gerenciar as garras dos gatos sem recorrer à remoção:
Arranhadores e Superfícies Adequadas: Proporcionar arranhadores de diversos materiais (sisal, carpetes, madeira) estimula o comportamento natural de arranhar, permitindo que o gato desgaste suas garras de maneira saudável. O enriquecimento ambiental é uma das melhores formas de satisfazer essa necessidade.
Corte Regular das Garras: Realizar o corte regular das garras do seu gato é uma medida preventiva que ajuda a manter as garras em tamanho adequado. No entanto, é importante que isso seja feito com muito cuidado para não cortar a parte sensível da garra (sabugo). Consultar um veterinário ou um profissional de confiança para aprender a técnica correta é essencial.
Estimulação Mental e Física: Brinquedos interativos e atividades de enriquecimento podem ajudar a aliviar a energia acumulada do gato, evitando comportamentos destrutivos relacionados às garras e ao arranhar.
Cuidados com o Corte das Unhas: Quando Necessário e Como Evitar Excessos
Embora o processo natural de desgaste das garras ocorra principalmente através do arranhar, em alguns casos, é necessário cortar as unhas do gato para evitar que elas cresçam excessivamente e se tornem um risco para o próprio animal ou para o ambiente.
Quando cortar as unhas: O corte deve ser feito somente quando as garras ficarem muito longas ou se o gato não conseguir desgastá-las adequadamente com os arranhadores. Para gatos que não saem de casa, o corte é essencial, pois, sem a necessidade de escalar ou caçar, as garras podem não desgastar como deveriam.
Como cortar sem excessos: O corte das unhas deve ser feito com um cortador de unhas específico para gatos, com cuidado para não cortar a parte sensível da garra, o sabugo (a área onde passam os vasos sanguíneos e nervos). É importante cortar apenas a ponta da garra, evitando qualquer tipo de trauma ou dor ao gato. Caso não tenha experiência, é aconselhável procurar um veterinário ou profissional para aprender a técnica correta.
Conclusão
Ao contrário de uma ideia comum, os gatos não trocam suas unhas como os dentes, mas sim passam por um processo contínuo de renovação das camadas externas das garras. Esse processo natural, conhecido como esfoliação ungueal, é essencial para a saúde física e comportamental do felino, e acontece principalmente através do arranhar superfícies, um comportamento natural que deve ser incentivado e respeitado.
É fundamental permitir que o seu gato realize esse processo de renovação de forma adequada, oferecendo arranhadores apropriados e criando um ambiente enriquecido, onde ele possa expressar seus instintos de forma segura e saudável. Interferir nesse comportamento, como ao remover as garras, pode ter consequências graves para o bem-estar do animal, tanto física quanto emocionalmente.
Por isso, é importante que os tutores observem atentamente os comportamentos naturais dos seus gatos e ajam para apoiar sua saúde e qualidade de vida. Respeitar esses instintos não só favorece a saúde física, mas também fortalece o vínculo entre você e seu felino, promovendo um ambiente mais harmonioso para ambos.
Citações
Buffington, C. A. T., et al. (2006). “Behavioral Health of Cats and Its Impact on Human-Companion Animal Relationships.” Journal of the American Veterinary Medical Association.
Bradshaw, J. W. S. (2013). “The Behavior of the Domestic Cat.” CABI Publishing.
Feldman, E. C., & Nelson, R. W. (2004). “Essentials of Veterinary Internal Medicine.” Elsevier Health Sciences.
Patronek, G. J. (2001). “Declawing: A Retrospective Study of Complications in Cats.” Journal of the American Veterinary Medical Association.